“Por fora, por dentro” aborda o binômio dentro/fora em diferentes esferas, a começar pela combinação entre o olhar estrangeiro (de fora) e a identidade latino-americana (de dentro) da fotógrafa Mariana Raphael, buscando apreender, em linhas e entrelinhas, aspectos culturais, políticos, socioeconômicos e territoriais de Cuba.
O título faz referência aos espaços em que ocorrem as relações cotidianas representadas nas fotografias, como público e privado, casa e rua, família e comunidade. E ao posicionamento físico da fotógrafa, que transita nos ambientes de forma a retratá-los por fora, por dentro ou numa via intermediária, transpondo portas, janelas e frestas.
A condição geopolítica e econômica de Cuba faz com que a dicotomia fora/dentro tenha concretude no país. Como ilha, está fora da área continental, como socialista, fora do sistema hegemônico. É profundamente marcada pelo embargo econômico, que dificultou o fluxo de coisas, mas o turismo (fluxo de pessoas) se estabeleceu como principal atividade econômica. Mantém relação delicada com aqueles que emigraram após a revolução de 1959, e que desde então tentam interferir na política de fora para dentro. É construída tanto pelos que vivem de dentro para dentro, para quem 2014 representou o “año 56 de la Revolución”, quanto por cidadãos que se concentram em olhar para o exterior, produzindo uma crítica ao regime que ecoa além da ilha.
Tal atmosfera complexa aguçou a vontade da fotógrafa de “investigar”, com certo olhar de cronista, o mundo que existe na ilha numa intensa viagem de 22 dias, quatorze vivenciados na brigada internacional do Instituto Cubano de Amistad con los Pueblos (Icap). As fotografias foram feitas em seis municípios entre abril e maio de 2014, meses antes da soltura dos três cubanos presos em Miami que fazem parte de “Los 5 heroes” e da reaproximação histórica entre Cuba e os Estados Unidos.
Mas a relação dentro/fora e o posicionamento da fotógrafa não são tão firmes e demarcados assim. Tensões profundas acontecem nas superfícies e no espaço de transição entre essas esferas. Como a superficialidade contraditoriamente densa na fachada espelhada do edifício, que esconde a novidade e diferenciação de seu estilo refletindo em si o ambiente no qual se insere. O velho está inserido do novo, mas o novo é apenas superfície, impenetrável. Como quando os personagens direcionam o olhar para a fotógrafa, fazendo dela (e de nós) parte da cena que registra (ou evidenciando seu caráter exógeno), denunciando o que ficou de fora da fotografia, a continuidade do episódio com o mundo.
Embora tenha certa proposta de “investigação” pessoal, o trabalho não pretende apresentar respostas ou definições. O olhar poético elabora sua própria lógica, talvez o que fique mais evidente nesse conjunto de obras seja a potência de diálogo, os espaços de encontro, aberturas de contato.
Texto: Samanta Dias do Carmo e Mariana Raphael. Fotos: Mariana Raphael/Fotografia com poesia